Esse post é para quem ainda não conhece o trabalho do artista plástico carioca Getúlio Damado, que transforma sucata em obras lúdicas, as quais ele chama de “engenhocas”.
Getúlio trabalha no famoso bairro carioca de Santa Tereza e tem como ateliê uma reprodução em madeira do pitoresco bonde local. A partir desse bonde, estacionado em uma das calçadas do bairro, o artista propaga a transformação: na sucata, nas pessoas, em Santa Tereza…
“Getúlio acredita que dele e da família materna, de oleiros e marceneiros, herdou seu dom de artesão, que, entretanto, só pratica há 12 anos. Antes trilhou muito chão, vivendo em casa dos poucos familiares depois da morte do pai, até decidir-se, em 1971, com 15 ou 16 anos, vir para o Rio de Janeiro tentar melhor sorte. Aqui sobreviveu da remuneração dos muitos empregos que teve, sem que se sentisse engajado, estimulado a seguir carreira, alguma coisa faltando sempre em sua rotina; que incluiu o serviço militar e o casamento, quando, já estabilizado financeiramente, pôde montar casa “sem luxo, mas com conforto”, e até comprar um carro velho.
A repetição da história paterna, porém, o aguardava, e ele vê sua mulher partir, deixando-lhe os dois filhos, Vítor, com um ano e oito meses, e Vanusa, com seis meses. Sozinho na cidade grande e sem parentes (a mãe, que mora em Volta Redonda, ele voltou a encontrar, já adulto, mas apenas de visita), pensou com a objetividade e a temperança que são suas marcas e decidiu reformular a rotina a fim de poder criar os meninos, que lhe exigiam o cuidado permanente.
Prático, Getúlio pediu demissão do emprego e passou a vender balas e consertar panelas nas proximidades de sua casa, na Rua Santo Amaro, no Catete, ponto que, entretanto, não considerava bom, embora lhe permitisse ser pai 24 horas por dia; pai que é pai, babá, enfermeiro, educador, cozinheiro, lavadeiro, faxineiro. Sempre com Vitor e Vanusa, andou por alguns bairros, observando locais que pudessem responder a sua oferta de baleiro/funileiro ambulante, até ser envolvido pela sedução de santa [Santa Teresa, bairro no Rio de Janeiro], como dizem afetivamente alguns moradores.
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De seu posto, via passar o bonde, ladeira acima, ladeira abaixo, observando-o em câmera lenta, de frente e de costas, vazio nas horas prioritariamente domésticas, lotado pela manhã, na hora do almoço e no final da tarde, quando as sombras já colorem de violetas e o sol se põe em matizes róseos, alaranjados e azuis. A imagem dos bondinhos amarelos com corações vermelhos (originalmente pintados pelos membros da Associação, lá se vão quase 30 anos), vista e revista, Getúlio deseja reproduzi-la. Considerando-se péssimo desenhista, decide construí-lo em sucata, brinquedo ou enfeite, meio de transporte, em escala reduzida, para seus sonhos, não tão mais amplos, para sua carreira artística (…)
Entre a colocação da alça numa chaleira e o conserto do fundo de uma panela, o primeiro sai rústico, duro, mas sai; está guardado, quebrado e pedindo restauração (que ele não ousa começar, temeroso de descaracterizá-lo com a técnica hoje apurada); algumas tentativas adiante, seus bondes passam a despertar a atenção dos moradores, e Getúlio começa a receber propostas de compra. Foi o quanto bastou para ele liberar de vez o artista que parecia apenas aguardar as bênçãos de Santa para ganhar mundo. Literalmente, pois há bondinhos de Santa Teresa, by Getúlio Damado, até em cidades da Europa e dos Estados Unidos, levados por turistas, presenteados por moradores e seus amigos no exterior”. (TORRES, Maria Helena. Veja, ilustre passageiro: bondes de Getúlio Damado)
Fontes – http://www.acasa.org.br/autor/getulio-damado
http://tvcultura.cmais.com.br/teimosia/getulio-damado